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Foto do escritorLuiz Primati

ESPECIAL HALLOWEEN — 31/10/2023


Imagem gerada com IA MidJourney

 

AUTOR SIDNEI CAPELLA


Sidnei Capella, natural e residente em São Caetano do Sul — São Paulo, Graduado em Administração. Escrevendo e publicando poesias e contos nos cadernos semanais da Editora Valleti Books. Participou da II copa de poesias da revista Cronópolis, em janeiro de 2022. Escreve textos poéticos, contos e mensagens, grande parte dos seus textos são publicados na página do Instagram que administra. Utiliza a frase criada por ele: “Inspiração me leva a escrever sobre tudo, a inspiração vem de Deus, escrevo para o meu próximo, de modo a despertar sentimentos e mexer com suas emoções.”

 

ANIVERSÁRIO NO DIA DO HALLOWEEN


O dia tão esperado da festa do Halloween na residência dos Cardosos chegou, a família fazia questão de convidar todos os vizinhos, menos o solitário Robert, um rapaz, estudante de medicina, morador da pacata cidade de Troncosa, de poucos amigos e, que perdeu os pais em um trágico acidente automobilístico.

Robert, utilizava o tempo livre para bisbilhotar da janela com um binóculo, a residência dos Cardosos, vizinhos de frente da sua casa.  Foi apelidado pela família, de esquisito bisbilhoteiro.

Espiava e constatava, que a família Cardoso, realizava sessões de bruxaria e mantinha uma linda jovem trancada em um dos quartos. 

Por constatar dezenas de acontecimentos estranhos, na residência dos Cardoso, tinha ideia fixa e impulsos de colocar o binóculo aos olhos e observar a casa misteriosa, por longo tempo, durante o dia. 

Na manhã do dia da festa, como de costume, Robert acordou, pegou o smartphone que ficava na banqueta ao lado da cama, olhou o horário, levantou, caminhou até o banheiro, escovou os dentes e, sonolento, percorreu o corredor que dividia os cômodos da residência. Entrou na sala, sentou-se no sofá e percebeu da janela um movimento estranho no quarto da jovem aprisionada.

A obsessão de Robert, tomou conta dos pensamentos duvidosos, acendendo a chama da curiosidade, coçou a cabeça, bateu os dedos da mão direita no braço do móvel de couro em uma sintonia repetitiva e pensou:

“Prometi para mim mesmo que, não observaria nunca mais esta família.”

Levantou-se e caminhou lentamente para a cozinha, pegando um pacote de bolacha, retornou para a sala, conectou o fone de ouvido no aparelho de smartphone e saboreando os biscoitos com recheio de chocolate, estabeleceu uma conexão com a lista de músicas preferida.

Distraído e sintonizado com as músicas com toques suaves de rock and roll, não olhou para a janela, ergueu os braços para o alto, esticou as pernas em uma mesa de centro e sentindo a preguiça de um sábado de descanso, fechou os olhos e adormeceu.

Robert, dormindo profundamente, entrou em um sonho, avistando uma luz com um formato de um homem que, aproximou-se. O jovem constatou que se tratava do pai-falecido.

— Filho, como é bom te ver!

— Pai é o senhor mesmo?

— Sim! Você tem que salvar a jovem presa — respondeu e convocou o filho para uma missão. — Ela está sofrendo na casa dos Cardosos — alertou.

O pai-falecido abraçou o filho, se afastou e sumiu, deixando a escuridão tomar conta do sonho. Robert acordou sentindo um vento forte passar pelo corpo, pulou do sofá e fitou os olhos em direção da grande janela da sala.

“Isto não pode estar acontecendo comigo! Era o meu pai!”

Pegou o binóculo, colocou a cadeira defronte a janela, fechou a cortina, deixando uma pequena fresta e posicionou o corpo para frente em um movimento cauteloso, evitando ser descoberto. 

Notou que a jovem no quarto, estava amarrada em uma cadeira, com a cabeça inclinada para o lado, aparentando estar desacordada.

Ficou na mesma posição por um longo tempo, tentando decifrar o que, se passava no quarto, procurando, diante da visão, encontrar pistas para solucionar as dúvidas plantadas em pensamentos…

Já desistindo de olhar a cena misteriosa, focou o binóculo para a penteadeira e avistou uma máquina com visor digital, contendo um pequeno reservatório e uma mangueira com uma agulha na ponta.

Espantado e desconfiado, continuou observando a cena, fixou com força o binóculo nos olhos e se assustou, quando a porta do quarto abriu e entrou o senhor Cardoso com uma caixa na mão. A curiosidade de Robert, fazia a perna direita balançar em uma velocidade descompassada, a ansiedade aflorava no íntimo de um jovem preocupado.

Observou que o senhor Cardoso, tirou uma fita com cabeças de alho e pendurou no pescoço da jovem. Começou um ritual, andando em círculos pela cadeira que a garota amarrada, mantinha-se sentada e desacordada.

Robert levanta do assento, encosta a lente do binóculo no vidro da janela e leva um susto ao avistar a moça, abrindo os lindos olhos azuis e, fazendo uma leitura nos carnudos lábios da ruiva, detectou visualmente pedidos de socorro da pobre garota.

“Atenderei o pedido do meu pai, ajudarei a linda moça!”

Tirou o binóculo dos olhos, afastou-se da janela, colocou uma jaqueta preta com capuz e pensando em um plano, saiu em direção da casa dos Cardosos.

Parou no portão vazado, em frente a janela da sala da residência dos Cardoso, o quarto da jovem dona dos lindos olhos azuis, ficava no andar de cima, escutou um grande falatório que, ecoava dos fundos da casa.

— Estão todos no fundo da casa, minha chance de entrar sem ser visto.  — com a rua deserta, Robert falou baixo.

Assegurou-se que o momento era oportuno, olhou todos os detalhes da frente da casa, constatou que não havia câmeras e pulou o muro, caindo agachado no jardim já enfeitado com caveiras. Notou que no corredor lateral da casa, havia um arco com pontas de lanças e máscaras horripilantes penduradas, imaginou que os convidados da festa de Halloween, passariam na travessia dos horrores, nome estampado em uma placa fixada na entrada.

Robert, tremulo e assustado, caminhou em direção ao corredor, único acesso aos fundos da residência, certificou-se, que o único local de entrada, a não ser visto, naquele momento, era pela porta da sala. Fitou a fechadura da porta e pensativo… ajoelhou abaixo da janela do cômodo e gatinhou em direção da passagem de entrada da casa misteriosa, colocou a mão no fecho colonial, forçou para baixo e para tristeza de Robert, a porta estava trancada.

Sentou-se no chão com o semblante amedrontado e, preocupado com a pobre moça, se pôs a planejar um plano B. A única certeza de salvar a moça, era alimentada pela força do bem, uma energia que o encorajava.

Avistou um carro de entrega, parando em frente ao portão, correu para trás de um item de enfeite em formato de lápida no centro do jardim e agachou escondendo-se para não ser percebido.

“Que enfeite assustador! Que medo que, estou, mas não desistirei.”

O entregador de bebidas tocou a campainha e, aguardou ser atendido que, para sorte de Robert, a filha mais velha dos Cardosos, atendeu e recebeu a mercadoria pela porta da sala, deixando-a aberta.  

Esperou a filha dos Cardosos entrar, olhou com todo cuidado pela janela da sala do lado de fora e conferiu que não havia pessoas no cômodo. Colocou o capuz da blusa sobre a cabeça, respirou fundo e entrou na sala. 

Caminhou cuidadosamente até a porta do lado de dentro da sala que, ligava com o corredor interno e assegurou-se não haver ninguém por perto. Voltou para o centro da sala e dirigiu-se ligeiramente para a escada que, dava acesso aos cômodos do andar superior.

Ligeiramente subiu os degraus da escada, atingiu o andar superior, com todo cuidado olhou para todos os lados e, quando avistou cabeças de animais empalhadas, penduradas nas paredes, sentiu uma sensação ruim e arrepiou-se.

Entrou no quarto da jovem que, ao ver o rapaz encapuzado, balançou o corpo amarrado sobre a cadeira e mostrou-se desesperada. Robert correu em direção da pobrezinha, tirou o pano que a amordaçava, e antes que ela gritasse, falou:

— Não irei te machucar!

— Você é o vizinho da frente, o bisbilhoteiro, eu vejo você pela minha janela! Você faz feitiçaria também?

— Não! Eu só quero ajudar — respondeu Robert. — Qual a intenção de os Cardosos manter você trancada neste quarto? — perguntou.

— Meu nome é Caroline, eles me adotaram! Todos os anos, no dia do meu aniversário, sendo hoje, esgotam quase todo o meu sangue com aquela máquina em cima da penteadeira e misturam com ervas, fazendo poções, dizendo que, ingerindo o líquido, toda a família torna belos e joviais.

— Parabéns, que lindo o seu nome! O meu é Robert! Que esquisito o que me contou, penso que a feitiçaria, não anda dando certo para o seu pai carrasco, ele continua cada vez mais velho e feio — Robert, elogiou o nome da linda moça e zombando do senhor Cardoso, gargalhou. — Vamos Caroline sair daqui? — perguntou.

Caroline, com dificuldade de movimentar-se, balançou a cabeça, afirmando concordar com a decisão de sair da casa. Robert, boquiaberto com a beleza da linda moça de olhos azuis e irritado com a maldade dos Cardosos com a filha adotiva, desamarrou os nós da corda que a prendia e a libertou, recebendo um abraço caloroso.

O jovem, futuro médico, registrou as provas por fotos que armazenadas na galeria do dispositivo móvel, incriminava a família Cardoso. Pegou na mão de Caroline, caminhou em direção da porta do quarto, desceu cuidadosamente as escadas, correu em direção da porta de saída, pulou o muro, conduzindo-a.

Atravessaram a rua e Caroline, aliviada e ofegante, entrou na casa de Robert que, rapidamente, pegou a maleta com aparelhos básicos de medicina usados na faculdade e examinou-a, concluindo estar tudo bem. Pegou a chave do automóvel, acalmou a jovem, convencendo-a em abrir um boletim de ocorrência, contra os pais adotivos.

— Caroline, eles quase acabaram com a sua vida — falou Robert. — Vamos para a delegacia — convocou.

Atendidos pelo Delegado que, com o depoimento da vítima e apresentação das provas por fotos, solicitou para os policiais de plantão, fazerem busca na residência da família Cardoso e os deterem, trazendo-os, para averiguação. Foram autuados e presos por crimes de cárcere privado.

Robert levou Caroline para morar com ele, jogou o binóculo fora, dividiu o tempo nos estudos e de cuidar com todo carinho da jovem, concluiu a faculdade de medicina, tornou-se um médico conceituado, exercendo a profissão com ética e amor. Com o passar do tempo, se apaixonou, casou-se com Caroline e, mudaram de cidade.

Robert, periodicamente, conversava em sonhos, escutando e seguindo os conselhos do pai-falecido, acreditando em vida após a morte e, todo ano, no dia do Halloween, faz uma festa de aniversário para a amada esposa. 


 

AUTOR LUIZ PRIMATI


Luiz Primati é escritor de vários gêneros literários, no entanto, seu primeiro livro foi infantil: "REVOLUÇÃO NA MATA", publicado pela Amazon/2018. Depois escreveu romances, crônicas e contos. Hoje é editor na Valleti Books e retorna para o tema da infância com histórias para crianças de 3 a 6 anos e assim as mães terão novas histórias para ler para seus filhos.

 

POMBOS

PARTE 2

O velho sino da igreja bateu por dez vezes. Dez vezes o som das badaladas ecoou pelo céu da pequena e pacata cidade de Montenegro. Eu olhava impaciente em direção da esquina, na esperança de avistar Felipe. Já fazia uns 10 minutos que eu havia chegado. A sensação de entrar sozinho no escritório, dava um frio na minha barriga, como a que sentimos quando o carrinho da montanha-russa despenca numa descida finalizada por um loop. Não gostava nenhum pouco daquela sensação.

Caminhei até a esquina. Nada deve avistar o Felipe. Voltei até a porta do escritório. Teria que entrar sem ele, e sem que ninguém me visse.

Olhei para o relógio. Marcava 22h05. — Droga! O Felipe deve ter se cagado todo de medo. Vou assim mesmo.

Decidido, peguei o molho de chaves no bolso da jaqueta. Procurei pela chave da porta. Olhei mais uma vez para a esquina. Introduzi a chave na fechadura, girei-a. A porta destrancou. Girei a maçaneta, abri a porta e rapidamente entrei para que ninguém me visse. Antes mesmo que pudesse trancar a porta com a chave pelo lado de dentro, ouvi passos, como se alguém corresse. Parou em frente ao escritório. Fiquei quieto esperando que a pessoa fosse embora, ou que fosse o Felipe e se identificasse. Infinitamente desejei a segunda opção, entretanto, o medo era tanto que fiquei calado, sem mexer um músculo. A pessoa arfava muito, a respiração muito difícil, como se tivesse corrido muito.

Seria ou não o Felipe que estava do outro lado da porta? A maçaneta começou a girar. Rapidamente coloquei meu pé no sopé da porta para travá-la e joguei o peso do meu corpo contra a porta. A pessoa forçou um pouco a porta na esperança que ela estivesse só encostada. Deve ter sentido um leve tremor nas mãos enquanto segurava na maçaneta, pois meu corpo tremia todo encostado naquela imensa porta, e meu cabelo eriçara. Confesso que estava com medo e se não estivesse mordendo o lábio inferior, meus dentes bateriam como uma batedeira de bolo.

Resmungou uma voz do lado de fora, largando a maçaneta.

Parecia ser a voz do Felipe. Uma excitação e alívio ao mesmo tempo, me dominaram. Tudo não havia passado ter um susto. Parti para abrir a porta e sair. Já ouvia os passos da pessoa se distanciando. Se alguém me visse saindo, fingiria que havia ficado trabalhando até tarde.

Destranquei a porta. Coloquei a cabeça para fora e olhei em direção da esquina. Uma pessoa subia o quarteirão. Muito parecida com o Felipe. Chamei-o num tom baixo para que não chamasse atenção dos vizinhos, que naquela hora deveriam estar assistindo TV. Virou o pescoço avistando-me. Era ele.

— Depressa!

Correu até a porta.

— Entra logo.

Tranquei aporta.

— Pensei que você não viesse mais.

— Foi devido à Beth. Não queria que eu viesse. Desconfiou que eu fosse me encontrar com alguma garota.

— Você não contou que…

— Claro que não.

A noite estava calma. Totalmente oposta à noite em que Felipe ouviu os passos. O ar estava parado, quente. O perfume das damas da noite enchia o ar com uma fragrância adorável. Nada parecia nos assustar. Tinha certeza de que tudo iria se esclarecer.

— Felipe, você está pronto para enfrentar a maior aventura de sua vida?

— Depois do que escutei da Beth, estou pronto para tudo.

Caminhei até a porta que dava para o quintal. Estava com a chave na fechadura. Sempre deixavam na fechadura. Girei a chave e dei umas pancadas com o ombro até a porta abrir. Estava sempre emperrada.

— O que você está fazendo Leonardo? — Falou Felipe num tom de recriminação.

— Vamos resolver o mistério, você não queria? — Falei-lhe surpreso por sua atitude.

— Eu nem sei sobre o que você está falando. Que mistério é esse? Você não me contou nada do que pretende até agora. Eu só vim aqui porque você me pediu. Agora, o que faremos no quintal é que não… Espere um pouco! Se você está com a intenção de matar os pombos ou…

— Não é nada disso. Pode ficar tranquilo que não cometeremos nenhum assassinato. Na hora certa você saberá do que se trata.

Saímos para o quintal.

— Procure por algum objeto de apoio para que eu possa olhar sobre o muro.

Felipe vasculhou o quintal.

— Este balde vazio serve?

— Perfeito!

Virei-o de boca para baixo e subi.

— O que você está fazendo?

— Chiu! — Fiz sinal com a mão para que Felipe fizesse silêncio. Espiei sobre o muro, diretamente no quintal de Dona Helvina. Estava escuro. A luz do quintal dela estava apagada. Melhor, assim não seria identificado.

Olhei por todo o quintal, procurando por uma prova. Por sorte, tínhamos lua cheia e a luz da lua ajudava muito. Varri, com os olhos, o terreno, da direita para a esquerda. Havia a porta da cozinha. Logo após um pequeno trecho cimentado, seguido por um elevado de terra, terminando num quarto coberto. Não dava para identificar direito. Muito parecido com um viveiro.

Havia alguns pombos em cima do coberto. Alguma coisa andava pelo elevado de terra. Deveria ser uma galinha.

— O que você está vendo aí deste lado? — Perguntou Felipe apreensivo.

— Nada de extraordinário até agora.

Uma luz acendeu na cozinha. Pela janela da mesma, pude observar um vulto caminhando de um lado para outro. Tinha certeza que era dona Helvina. Deveria fazer seus salgados durante a noite.

— Felipe, a nossa querida vovó Helvina está na cozinha. Temos que achar alguma forma de pular no quintal dela.

— Vamos pular? Endoidou de vez. Vamos embora!

— É rápido!

— Vou embora!

— Grande amigo, você. Na hora que mais preciso de sua ajuda, você quer se mandar? Você é um homem ou rato? — Felipe pensou por um momento.

— Está bem, eu fico, só que não vou pular. Você terá que ir só nesta parada.

Por alguns segundos fiquei sentado no chão do quintal, tentando imaginar algo para tirar Dona Helvina da cozinha.

— Tive uma ideia. Preste bastante atenção no que vou lhe dizer e por favor, faça tudo exatamente como eu mandar. Você vai até a frente da casa de Dona Helvina e tocará a campainha. Enquanto ela for atender, eu pulo o muro e investigar. Entendido!

— E se algo der errado? — Questionou num tom despavorido.

— Não vai dar nada errado. E se por um acaso você perceber que estou demorando, dê o fora que eu me viro.

Olhei para o relógio. Já era quase 11 horas.

— Vamos acertar nossos relógios. São 11h00. Após o toque da campainha, você segura a velha por cinco minutos. O tempo suficiente para que eu entre e saia. Vá então!

— O que falo quando velha atender?

— Diz que está fazendo uma pesquisa estudantil.

— A essa hora da noite? Não vai acreditar nunca.

— Faça de conta que você é de fora e está procurando por um endereço. Sei lá, inventa!

— E por onde eu saio?

— Vai aqui pelo quintal. O portão só tem um trinco por dentro.

— Tudo bem. Vê se vai rápido. E boa sorte.

— Obrigado. Vou precisar.

Felipe saiu em direção ao portão. Abriu e sumiu do meu campo de visão.

Fiquei aguardando a campainha tocar. O quintal ficava nos fundos da casa e, a distância do muro até o elevado de terra, deveria ter uns três metros. A minha queda na terra deveria fazer algum barulho, e se Dona Helvina não estivesse na frente da casa, com certeza ouviria.

Olhei para o terreno e parece-me limpo onde eu iria cair. A campainha soou uma vez. Dona Helvina não se mexeu. Um tempo se passou e a campainha soou novamente e a velha continuou parada na cozinha. — O que está acontecendo vovó? Será que é surda?

Outra fração de tempo e a campainha soou impertinente dessa vez. O vulto da cozinha sumiu em direção à entrada da casa. Era a deixa. Subi rápido no muro. Olhei para baixo, fechei os olhos e saltei. Caí sobre a terra fofa. Uma ave que estava ali perto correu assustada. Era o pombo-branco. Reconheci-o instantaneamente. Era por isso que não o vimos liderando os pombos hoje à tarde. O líder. Seus olhos me fitaram como se clamasse por ajuda. Notei algo estranho no movimento do pombo ao andar. Fixei melhor os olhos e havia alguma coisa amarrada na perna do pombo. Aproximei-me. Um cordão vermelho unia a perna direita à sua asa, também direita. Impossibilitado de voar. Senti pena dele e tirei o cordão. Alçou voo imediatamente, fugindo dali. A pequena poeira que levantou quando caí, já tinha se dissipado quase que por completo. Teria que agir rápido. Olhei para o relógio. Tinha apenas 5 minutos. As coisas ficavam mais visíveis agora. Podia enxergar melhor. Lentamente meus olhos se acostumavam com a pouca luz, e a claridade vinda da janela da cozinha ajudava um pouco.

Dei outra olhada pelo quintal. Perto da cozinha haviam dois bujões, uma escada encostada na parede da casa, próxima à porta da cozinha que dá acesso ao quintal. Sob a escada um plástico escuro, uma lona talvez. Uma lata de lixo próximo aos bujões e só.

Perto do viveiro havia uma gaiola coberta por um tecido. Descobri a gaiola e havia um pombo preso ali. Olhei no viveiro e choquei-me com o que vi, mesmo tendo desconfiado antes, não pude deixar de me espantar. — Velha nojenta. — Amaldiçoei-a. Dezenas de pombos depenados, pendurados numa ripa que atravessava o viveiro, mortos, malcheirosos. A carne já entrava em estado de putrefação.

Dois minutos se passaram. O que fazia Felipe?

 

— O que você quer? — Gritou a velha da porta de entrada.

— Uma informação. — Respondeu Felipe esfregando as mãos nervosamente.

— Não tenho nada para informar.

— Um minuto só dona. É rápido.

— Diga logo o que quer, pois tenho muita coisa para fazer.

— A senhora não poderia vir até aqui? Não consigo ouvi-la direito.

— Não tenho tempo a perder garoto. — Caminhou até o portão balbuciando algumas palavras ininteligíveis.

Fui até a cozinha olhar pela janela.

— A senhora poderia me informar onde fica a rua Coronel Fonseca?

— Não sei não, garoto. Nunca ouvi falar dessa rua por aqui. E se me dá licença, eu vou entrando, pois tenho muita… — Por um momento pareceu reconhecer Felipe. — Hei, eu já não te vi em algum lugar?

— Acho meio difícil. Eu não sou daqui. Moro em São Paulo. Estou procurando a casa de uma tia.

— Não sei de nada. Adeus!

Largou Felipe falando sozinho e voltou para dentro da casa.

Três minutos apenas haviam se passado. Estava na hora de cair fora dali antes que fosse tarde. Porém, faltava uma última coisa: a cozinha.

Encostei o rosto na janela para ver se enxergava algo. O vidro era daqueles ondulados e eu não podia enxergar as coisas claramente. Um vulto retornou à cozinha. Era a velha! — Droga! — Exclamei num arrependimento por não ter caído fora antes. Como fazer agora? Teria que bolar um jeito de sair dali. Foi então que vi a velha caminhando em minha direção, diretamente para a porta da cozinha. Teria me visto? Procurei rápido por um lugar para me esconder. Vi uma lona sob a escada, e foi ali mesmo que me acomodei rapidamente. Cobri-me com a lona, e fiquei quieto. Havia algo macio sob mim. Apalpei e pareceu-me penas. Resolvi colocar um pouco delas nos bolsos para depois analisar. Entretanto, qualquer barulho poderia ser fatal. Um odor horrível emanava ali por perto. Uma lata de lixo, talvez.

A velha Helvina abriu a porta da cozinha e saiu para o quintal, ganhando o elevado de terra. Abriu o cadeado do viveiro e sumiu porta adentro.

A porta da cozinha estava entreaberta. Era uma chance de eu olhar na cozinha. Um momento de indecisão me abortou. Saí debaixo da lona e entrei na cozinha. Uma geladeira num canto, um freezer no outro. Abrir o freezer e confirmei minhas suspeitas. Pronto, já podia sair, mas era tarde demais. A velha retornava do viveiro. Não tive tempo de pensar em muita coisa, me enfiei na fresta que havia entre o freezer e a parede. Dona Helvina limpou os pés sujos de terra num velho tapete e trancou a porta após entrar na cozinha. Olhei para o chão, um rastro de terra deixado por meus sapatos, culminavam no meu esconderijo. Torci para que a velha não olhasse para o chão. Ela trazia numa das mãos um pombo. Comecei a rezar para que tivesse uma chance de me mandar. Confesso que não sou muito de rezar, mas na hora que a coisa aperta, apelo para qualquer coisa.

Fiquei observando todos os movimentos da velha, e vocês não acreditarão na cena que presenciei. Chegou a me provocar náuseas.

Num repente, aconteceu o maior estardalhaço no quintal da velha. Parecia uma fanfarra que dia de comemoração. Uma sensação de alívio me dominou. Tinha certeza de que era o Felipe.

— Com mil diabos. O que será agora? — Saiu a velha em direção da sala, limpando as mãos sujas no avental.

Minha chance. Destranquei a porta e sai para o quintal. No muro não havia um buraco sequer para que eu pudesse apoiar um pé e subir. Nem mesmo um objeto para servir de apoio. No desespero, pulei tentando alcançar o topo do muro. Não alcancei na primeira tentativa. Mais uma e consegui me agarrar. Com um pouco de esforço, fui conseguindo me sustentar. Estava tudo indo bem, salvo uma mão fria que pousou sobre a minha. Era a mão de Felipe.

— Vamos rápido, Leonardo, antes que a velha volte.

— Ainda bem que você agiu na hora certa.

— Sorte sua que eu espiava sobre o muro e vi quando você ficou preso na cozinha.

— É, desta vez foi por pouco.

— Vamos dar o fora daqui. Esta brincadeira está ficando perigosa demais.

— Vamos!

Continua...

 

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Stella Gaspar
Stella Gaspar
Oct 31, 2023

Maravilhosos! ✍✍

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