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ESPECIAL HALLOWEEN — 03/11/2023


Imagem gerada com IA MidJourney


 

AUTOR LUIZ PRIMATI


Luiz Primati é escritor de vários gêneros literários, no entanto, seu primeiro livro foi infantil: "REVOLUÇÃO NA MATA", publicado pela Amazon/2018. Depois escreveu romances, crônicas e contos. Hoje é editor na Valleti Books e retorna para o tema da infância com histórias para crianças de 3 a 6 anos e assim as mães terão novas histórias para ler para seus filhos.

 

POMBOS

FINAL

Felipe já estava totalmente atabalhoado. Correu para dentro do escritório. Estava perdido. “… ligar para alguém… ”. — Pensava. Mas quem?

Colocou a mão sob a mesa do telefone e pegou um catálogo de endereços. Em minha direção vinha velha em uma nova investida, com um ódio muito grande nos olhos. A boca babando como ficam os loucos quando estão descontrolados. O vento piorava tudo. Os relâmpagos se intensificavam. O céu se revoltava com a cena. Tentei bater o flash novamente nos olhos da velha. Não funcionou. Estava insensível à luz pela ira que a dominava. Felipe tentava desesperadamente ligar para a polícia. Um, nove, zero, 190, 190. Não respondia.

Babando, a velha veio em cima de mim, desferindo um golpe com a faca, que cortou o ar. Fui ligeiro e consegui sair do trajeto da lâmina. Ela perdeu o equilíbrio e foi ao chão, quase caindo sobre mim. Aproveitei-me da situação golpeando-a na cabeça com a câmera fotográfica, que imediatamente abriu o compartimento do filme, velando-o. Não importava mais. O que eu queria naquela hora era fugir. Somente fugir.

O disco do telefone não obedecia ao temor dos dedos de Felipe. Tentava, errava, ocupado, não chamava.

— Droga de telefone! — Praguejou.

Dominado pelo pânico, começou a ouvir passos que naquela noite ouvira. O mesmo som de passos, só que agora parecia um batalhão de almas penadas marchando. O coração gelou. Os cabelos eriçaram. Novamente estava envolto naquela sensação horrível.

No quintal, a velha Helvina não se abalou com o golpe. Levantou-se ligeira, com a faca em uma das mãos, novamente veio para cima.

— Meu Deus… O que está acontecendo? — Eu falava com desespero total. — A mulher parece ser de outro mundo.

 Tudo parecia um sonho, um filme, uma fantasia. Eu estava encurralado. Os olhos dela estava infestado de uma expressão demoníaca. Tudo estava perdido. Seria massacrado pela bruxa. Não tinha mais forças para fugir. Comecei a ver a minha morte. As imagens da minha vida toda começaram a passar rapidamente na minha mente. Fechei os olhos para não ver o golpe fatal.

Quando esperava pelo desiderato, um grunhido cortou o ar. Abri os olhos e avistei o pombo-branco surgindo do nada com seu grito guerra, sobrevoando dona Helvina.

Fui esquecido momentaneamente. A velha travava uma luta feroz com o pombo-branco que atacava incansavelmente. Sei que ele não resistiria muito. Era uma saída para mim.

Felipe discava cada vez mais nervoso e só não desmaiou porque não era hora e nem lugar. O som de passos continuava se intensificando no andar de cima. Alguém da polícia atendeu.

— Alô? Quem fala? — Pausa — Sargento Freitas?

A briga travada entre o pombo e a velha continuava. Corri até o muro. Tentava subir. Os pombos no viveiro estavam quase livres.

Olhando em direção da ponta do telhado do escritório, vi as tábuas estremecendo.

Não era possível. Ilusão causada pelo pavor, pensei.

Felipe tentava convencer o sargento de que precisava de ajuda.

O vento rodeava tudo, como se fosse um ciclone. Os raios fotografaram a cena para emoldurá-la na eternidade, quem sabe? O pombo conseguia fazer algumas escoriações na mão da velha que se defendia e atacava ao mesmo tempo. Eu tentava subir o muro. As tábuas estavam soltando.

— É ilusão, não é real. — Repeti para mim mesmo.

Os pregos das tábuas se soltavam, como se alguém martelasse de dentro para fora.

Não conseguia subir. A poeira entrava nos meus olhos, ofuscando minha visão. Voltei a atenção para o pombo bem no instante em que a velha Helvina, lançando mão de sua terrível arma, desferiu golpes certeiros no pombo-branco.

Um gemido longo e triste ecoou entre a ventania, ao mesmo tempo, em que eu levava as mãos aos olhos. Engoli o grito de desespero ao vê-lo caindo em câmera lenta, numa queda que parecia nunca acabar. Um som surdo reproduziu o baque do pombo no solo. 

Como que ouvindo o lamentar do líder, os pombos do viveiro conseguiram se safar. Ouvi o barulho de tábuas caindo. O teto do escritório abriu uma fenda, dando passagem para centenas de pombos que ali estavam hibernados. Como se estivessem se organizando há muito tempo para esta ocasião. O forro do escritório estava repleto deles. Estava explicado os barulhos estranhos que o Felipe ouvia.

Os pombos voaram diretamente para cima da velha Helvina, como num ataque kamikaze. O vento aumentou e mais poeira levantou, como se a própria natureza quisesse ocultar a chacina.

Indefesa perante centenas de almas revoltadas, a velha dava golpes desesperados, aleatórios, com a faca, conseguindo acertar três ou quatro pombos antes que lhe ferissem a mão, obrigando-a a soltar a faca. Foram cinco minutos mais ou menos, foi massacrada pelos pombos. Não escolheram onde bicar, ou melhor, não deixaram nenhum centímetro da pele dela sem bicar. A cena me lembrava ‘Pássaros’, de Hitchcock. Vingaram os companheiros já mortos, e os que estavam feridos.

Eu assistia a tudo muito espantado. Felipe, no topo do muro, olhava também.

Os gritos da velha eram horríveis, como se o próprio demônio amaldiçoasse Deus.

O pombo-branco tremia no chão, ferido. Ainda respirava.

A polícia deveria estar a caminho. Tudo parecia durar horas.

Repentinamente o vento cessou. Os pombos pararam o ataque. Não havia mais razão para continuar. A velha já estava quase que esquartejada. Fiquei com medo que os pombos se voltassem contra nós. O que fizeram fui recolher seus companheiros feridos. Como helicópteros içando cargas, levantaram seus companheiros e sumiram por cima do telhado das casas.

— Depressa Leonardo. Chamei a polícia. Pegue sua câmera e vamos embora.

Ajudou-me a subir o muro. Em poucos segundos a frente da casa da velha estava cheia de curiosos que devem ter ouvido o estardalhaço.

Com a câmera na mão, ou parte do que sobrou dela, puxamos o fio da extensão antes que os curiosos ganhassem o quintal dos fundos.

Pouco depois o carro da polícia encostava na frente da casa.

Nossa missão estava cumprida. Apoiando-se um no outro, guardamos os equipamentos no escritório sem que ninguém nos visse. Observamos por algum tempo o sargento Freitas e os curiosos olharem espantados para o corpo da velha, ou o que sobrou dela.

Enquanto quebravam a cabeça para decifrar o que teria acontecido, fomos embora cansados por tudo que passamos.

Muitos pombos estavam sobre o telhado, assistindo o desenlace de camarote, satisfeitos com o que fizeram. Se precisasse repetiriam o feito.

As fotos tornaram-se desnecessárias. Nunca relatamos nada a ninguém.

Consegui trabalhar no escritório por mais dois meses somente. Felipe ainda ficou um pouco mais. O lugar me trazia muitas lembranças.

A polícia parece ter desistido do caso por falta de informações.

Às vezes passo pela praça no cair da tarde, e avisto um pombo-branco liberando outros mais. Tenho certeza que é ele.

Mesmo depois de tudo o que aconteceu, só tenho uma coisa a dizer: 

 

“Repouse em paz Dona Helvina”.


 

AUTORA SIMONE GONÇALVES


Simone Gonçalves, poetisa/escritora. Colaboradora no Blog da @valletibooks e presidente da Revista Cronópolis, sendo uma das organizadoras da Copa de Poesias. Lançou seu primeiro livro nesse ano de 2022: POESIAS AO LUAR - Confissões para a lua.

 

PASSEIOS NO CEMITÉRIO:

O ANO INESQUECÍVEL DE 1992


Ah, 1992! Aquele ano mágico em que eu tinha 13 anos e descobri um dos meus segredos mais bem guardados: o cemitério. O lugar que Selma e eu transformamos no nosso refúgio pessoal. Você ouviu direito, o cemitério.


Agendávamos nossos encontros com antecedência, como um ritual sagrado. Selma sempre estaria à minha espera no portão, os olhos brilhando de antecipação. Juntas, embarcaríamos em nossa pequena aventura ensolarada.


Imagine isso: vivíamos próximas, e o cemitério nos acenava com suas colinas e ruelas, logo ali, quase um vizinho. Optávamos pelos dias mais ensolarados, daqueles que anunciavam uma chuva revitalizante à tarde. E oh, a jornada já começava nas colinas que tínhamos que escalar.


O cemitério? Quase sempre nosso domínio particular. Poucos visitantes, alguns trabalhadores aqui e ali. Nenhum funeral à vista. Era como se o tempo parasse e nos envolvesse em um silêncio tranquilo e reflexivo.


Ah, a paz que eu sentia ali era indescritível! Cada lápide contava uma história, e nós éramos as ouvintes. Algumas traziam mensagens tocantes, outras revelavam rostos conhecidos. Paramos, rezamos, lembramos de entes queridos, e o tempo deslizava como areia em um ampulheta.


E, então, havia ela — a garotinha de 6 anos, a lendária realizadora de milagres. Seu túmulo se tornou um altar onde os visitantes deixavam brinquedos, doces e cartas. No Dia de Finados, era um espetáculo à parte. E pensar que tudo isso acontecia ao lado do jazigo da minha própria família, onde descansava meu irmão Júlio César, um ano mais novo que eu.


Os anos podem ter passado, mas as memórias desses passeios ao reino dos silêncios permanecem vívidas. Selma e eu já concordamos: vamos retornar um dia. Porque aquele cemitério é mais do que um campo de descanso eterno. É um labirinto de mistérios e encantamentos. O nosso lugar especial. O cemitério.



 

AUTORA STELLA_GASPAR


Natural de João Pessoa - Paraíba. Pedagoga. Professora adjunta da Universidade Federal da Paraíba do Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia. Mestre em Educação. Doutora em Educação. Pós-doutorado em Educação. Escritora e poetisa. Autora do livro “Um amor em poesias como uma Flor de Lótus”. Autora de livros Técnicos e Didáticos na área das Ciências Humanas. Coautora de várias Antologias. Colunista do Blog da Editora Valleti Books. Colunista da Revista Internacional The Bard. Apaixonada pelas letras e livros encontrou na poesia uma forma de expressar sentimentos. A força do amor e as flores são suas grandes inspirações.

 

ESPELHO VAZIO


Nessa noite, sem paixões, sonhos e sem fontes de alegrias, tudo que amei se foi e uma tristeza me deixa adormecida em um abismo escuro, com relâmpagos sonorizando meus ecos medrosos. Me sinto em tempestades entre relâmpagos e trovões. Sou alma que vagueia sem anjos ao meu redor. Estou algemada com sensações de frio e dor, sinto falta do calor de teu amor que sempre me alimentou.


Fui tão fiel e leal e agora sem prosa ou poesia estou sozinha sem a tua companhia e com meus lábios de luto não sinto mais o gosto de teus beijos, mas tudo em nós, morreu; até as flores que em mim moravam. Tudo é saudade como o sabor do vinho tinto que juntos apreciávamos.


Meu senhor, ilustre, chegastes sem avisar. Me deixaste entre os inimigos; me roubastes a biografia que com tanto zelo construí. Oh! Raio de sol, meu “Assis”, foste um mito que em meu coração deixastes feridas abertas e sangrentas.


Agora só tem mortos à minha volta, me sinto uma coitada sem bens modestos, sem vida e só com feridas. Meu corpo fúnebre está longe de ti, me perdi em orações ritmando os sonhos de nossos corpos desvalidos.


Sinto-me exausta, não quero que a morte me ame, eu te quero ainda como amante e, sem calafrios quero ouvir o teu gemido, meu amado. Vem e junte-se ao meu desespero, eu irei calada e invisível para o teu velório e para além da eternidade seguiremos.


Que tristeza foi as nossas efêmeras vidas, fomos rei e rainha que caminhávamos entre as flores enlutadas. Éramos um casal tão belo, mas tudo ficou sem cor e o preto nos enlutou, e o choro nos banhou.


Eu sempre tive medo de filmes de terror, de vozes agitadas, do escuro. O medo da morte me arrepiava como a solidão das noites, sentindo as dores das saudades. Mas contigo, meu “Amor Assis”, estou trajando o meu vestido preto, na companhia dos fantasmas da ópera.

O cheiro da penumbra é tão forte e inebriante que danço acolhida pelos teus braços fortes. Sim, festejamos o dia das bruxas, e onde está a princesa que tanto desejei ser em vida?

No espelho não sou de verdade, sou o mistério do reflexo.

Quero contigo e, em fugas, buscar flores, mesmo que de despedidas.


 

AUTOR BERNIVALDO CARNEIRO


Francisco Bernivaldo Carneiro nasceu em Jaguaretama-Ceará em 10 de fevereiro de 1950, é Técnico de Edificações, Geólogo com Especialização em Engenharia de Saúde Pública e Ambiental e estudou Administração Pública. Em 2017, depois de 37 anos como funcionário público federal, aposentou-se e desde então se dedica à escrita. Estreou como ficcionista em 1998 e hoje tem nove livros editados como autor solo, sendo três no gênero técnico-científico, cinco de ficção (três romances e dois de crônicas) e um registro histórico e outros quatro praticamente no prelo: dois de contos e dois e crônicas. Além do quê, possui dezenas de prefácios, orelhas e coautoria em Antologias (inter)nacionais, coletâneas e mais de uma centena de artigos publicados em diversos veículos de comunicação, sendo a maioria em informativos, jornais, revistas, coletâneas e Antologias das duas Academias de Letras e de outras duas Instituições Literárias a que pertence como membro efetivo. Venceu alguns certames literários, com destaque para um promovido pela Internet sobre obras de sátira em 2008, concorrendo com autores de renome (inter)nacional, dentre outros, Gregório de Matos, Leonardo da Vince, Chico Anysio, G. H. Chesterton, Gil Vicente, Decio Junio, Revista MAD.

 

MORTE EM DOSE DUPLA


Dentro do caixão de base quadrada, no centro da pequena sala de estar, encontrava-se o frio e entroncado corpo de Cosme. De um lado, sua mãe; do outro, dona Roliça – mulher vocacionada para a filantropia, que (desde sua chegara a Mangatimbal três anos atrás) corria a cesta de coleta da missa, extraía bebês das estufas maternas, levava calor humano aos doentes e afago aos indigentes. E, como ninguém melhor que ela recomendava um corpo, tão logo soube da triste notícia correra para casa de Cosme e aprontara o finado. Após banhá-lo, ela reduziu os hematomas com assepsia e maquiagem nas áreas auriculares, por onde entrara e saíra o projétil a queima-roupa. Isso, sem ao menos sonhar que ela acabaria competindo com aquele concorridíssimo ato fúnebre, que fazia jus ao dito popular: tão difícil quanto enterro de anão! Senão, admirada com o que observara enquanto banhava o morto e pensava: “Quem imaginaria um homem tão pequeno quanto este fosse tão... Tão!... Isso confirma a teoria de que testa grande... Não, não! Testa grande só vale par mulher. Para homem o que conta é o tamanho do pé... Mas os pés de Cosme... Quer saber de uma coisa: essas crendices populares são uma grande mentira! Meu falecido marido, por exemplo, que na altura dava dois de Cosme, nesse quesito não se comparava a ele”...

E assim revisitando o passado a “Caridosa Senhora” se enchia de ânimo. Os sentidos convidavam-na deixar o obscuro subsolo da inoperância para firmar morada na iluminada cobertura da vida. Sonho que reeditaria tempos de glória para saborear a vida, sem atentar a menopausa e o monte de problemas de saúde.

Conjecturas que dona Roliça suspendeu para consolar a histérica mãe do morto, ora colocando para correr o portador deste recado de Felizarda: “Tão logo terminasse sua estreia como bruxa do Halloween, compareceria ao velório do ex-noivo”.

— Após levar meu filho ao suicídio, ela agora quer dar uma de arrependida! Essa sirigaita só entra nessa casa se passar por cima de seu cadáver...

De fato, ao trocar Cosme pelo trapezista do circo The Best of The World, recém-chegado a Mangatimbal, Felizarda era o pivô da fatalidade.

E já nas primeiras horas do Dia de Finados, dona Roliça, antes de se dirigir ao banheiro, acompanhou até a cozinha, a mãe enlutada a reclamar:

— Meu Deus, o que está acontecendo com Damião que até agora não chegou?! Da Capital até aqui não é essa lonjura toda. Ela já devia ter chegado.

Satisfeitas as necessidades fisiológicas, dona Roliça retornava sua filantropia à sala do velório, quando uma rasga-mortalha riscou os ares com um voo rasante sobre o telhado da casa. Tomada por arrepios, ela se benzeu e seguiu sem saber o que se passava lá fora. Na busca de seu quinhão (aos abstêmios, uma rodada de biscoito com café; aos demais, doses de cachaça), os convivas tinham abandonado o morto e se cotovelavam na rua em frente à sua casa.

E assim, tal foi a surpresa da “Solidária Senhora” ao dar com os pés ao cômodo fúnebre e ver que, além da urna mortuária, só havia um homúnculo de cabeça descomunal. Mas não era Cosme ressuscitado e sim, Damião — o gêmeo idêntico. Quem, ao perceber alguém se aproximando, fechou subitamente o visor do caixão, pulou do tamborete e se lançou a dona Roliça a tempo de amortecer a queda do fulminante mal súbito.


 

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