O plantão de Alessandra Valle mostra que a milícia está bem próxima a nós e não é ficção. Eu, Luiz Primati, trago a terceira parte de um conto de 2018, publicado inicialmente no Facebook em partes e depois entrou para o livro: "Velhas Histórias Urbanas" que foi baseado num fato. O nome do conto é "Bernadete e seus outros 'EUS'".
Esse caderno tem a intenção de divertir os nossos leitores que, sempre acabam tirando algum ensinamento para suas vidas.
Leia, Reflita, Comente!
A INVEJA MATA
por Alessandra Valle
Economizei durante anos para ter a oportunidade de comprar meu primeiro carro. Com o valor disponível não compraria um modelo do ano, por isso, pesquisei carros seminovos à venda.
Ao selecionar os carros que gostaria de agendar visita de modo a observar as condições dos veículos, percebi que a preferência por mim atribuída não fora pelos modelos, nem pelas marcas dos carros, mas sim pelos bairros por onde teria que me deslocar na Cidade do Rio de Janeiro.
Mesmo de folga, o policial não pode e não deve relaxar. Tenho ciência de que vários bairros da Cidade do Rio de Janeiro estão sob controle do crime organizado e trafegar por esses lugares, sozinha, pode ser perigoso e colocará minha vida em risco.
Por sorte, encontrei um veículo nas condições adequadas no mesmo bairro em que moro e a compra do meu primeiro carro foi uma alegria compartilhada com meus familiares e amigos.
Dia seguinte, estava de plantão na “Desaparecidos” quando um homem, muito aflito, comunicou que seu filho desaparecera e que soube que milicianos o haviam levado a força, bem como levaram seu carro, utilizado por toda a família.
Visando apurar o fato, muitas perguntas foram feitas ao triste genitor, inclusive sobre o cotidiano do filho.
As informações sobre o desaparecido davam conta de que era um rapaz jovem, trabalhador, que levava uma vida feliz ao lado da noiva e dos pais. Era querido pelos amigos, o que foi comprovado tendo em vista a fila de pessoas que se formou à porta da delegacia para testemunharem sobre o fato de seu desaparecimento.
Duas testemunhas eram importantes para esclarecimento do desaparecimento: o casal, donos do bar de onde o rapaz fora levado pelos criminosos. O interrogatório dos dois precisou ser antecipado, pois, foram as últimas pessoas que estiveram com o desaparecido.
— Ele é meu amigo, somos garis e uma vez por semana, após o expediente, nos reuníamos no bar de minha esposa para tomarmos uma cerveja e comer petiscos. Sempre esteve tudo bem, mas ontem, três homens encapuzados e armados entraram no bar e abordaram meu amigo alegando que seu carro seria roubado. Eles gritaram chamando-o ladrão, mas meu amigo reagiu, afirmando que seu carro foi comprado por todos da família. Quando fez o movimento de ir buscar o documento do carro que estava no veículo, para comprovar a propriedade, um dos criminosos disparou diversas vezes contra ele — disse o colega de trabalho e amigo do desaparecido, ainda sob estado de choque.
— Todos que estavam no bar correram para se protegerem e não vimos mais o nosso amigo. Os criminosos também levaram o seu carro, não sabemos para onde. Estamos em pânico, pois moramos e trabalhamos neste lugar. Eles podem atentar contra nossa vida também — disse a amiga e dona do bar de onde o desaparecido fora levado.
As demais testemunhas foram uma a uma sendo ouvidas e nos deram detalhes importantes quanto à identidade dos homicidas e o modo como o grupo criminoso agia.
Uma equipe de policiais se dirigiu ao local do desaparecimento e encontrou vestígios de sangue à porta do bar, sendo acionada a perícia de local.
Outra equipe de policiais percorreu os possíveis lugares onde o carro do desaparecido poderia ter sido abandonado e encontram o veículo totalmente carbonizado, entretanto, o corpo do desaparecido não estava no interior do veículo. Uma garrafa pet, com resquício de gasolina, foi recolhida a poucos metros do carro e apreendida pela perícia papiloscópica.
Diversas diligências à procura do cadáver do desaparecido foram realizadas, muitas delas adentramos as áreas de mata da região acompanhados de cães que farejam odores cadavéricos, contudo, não obtivemos êxito na localização dos restos mortais da vítima.
Durante a investigação, reunimos a maior quantidade de provas possíveis para incriminar os autores identificados pelas testemunhas. Denúncias anônimas e laudos periciais trouxeram robustez ao inquérito policial. Conseguimos provas que condenaram os mesmos autores em outras investigações por crimes ligados à milícia que atuava na região.
Indignados, os pais, a noiva e os amigos do rapaz desaparecido quiseram saber a motivação para esse crime bárbaro contra uma pessoa correta, trabalhadora e amigável.
Então, tive a difícil tarefa de informá-los que o homicídio fora cometido por motivo fútil, o qual poderia ser resumido em apenas uma palavra: INVEJA.
Os fatos apurados mostravam-nos que os criminosos invejaram o carro, o trabalho, a família, os amigos e principalmente, a vida feliz que o rapaz levava.
O trio homicida fora preso, denunciado e condenado pelo homicídio e ocultação de cadáver do rapaz.
Ao término de cada plantão, volto dirigindo para casa e me permito refletir sobre diversos assuntos, um desses é a alegria por conseguir comprar meu primeiro carro à custa de muito esforço e economia e, compartilhar dessa emoção com meus familiares e amigos.
BERNADETE E SEUS OUTROS "EUS"
por Luiz Primati
IG: @luizprimati
CAPÍTULO III — DILEMA MORAL
Dr. Klaus aceitou conversar com Karen no Instituto de Medicina de Munique. O dia e horário foram bem específicos. Era uma pessoa muito ocupada. Karen aceitou sem questionar. No dia e hora marcado estava lá.
— Dra. Karen, suponho… — apresentou-se. — Klaus Waldvoguel — apertaram as mãos. — E esse é o meu assistente Franz Strasburguer.
— É um prazer enorme conhecê-los — Karen apertou as mãos de seus mestres fervorosamente.
— Venha se sentar aqui junto a nós.
Formaram uma espécie de círculo um torno de uma mesinha de centro. Sobre ela alguns biscoitos e café fresco. Karen tirou o casaco e se despojou de sua bolsa e ficou à vontade.
— Então Dra. Karen, estou curiosa para saber notícias de uma antiga paciente nossa, como comentou ao telefone.
— Sim, Dr. Klaus. Estou tratando a senhorita Bernadete Troisman. Pelo menos eu acho que esse é o nome verdadeiro dela, pois li em seu documento.
— Mas que maravilha. Ela reapareceu? — comentou o Dr. Frans.
— Reapareceu? Não entendi… — Respondeu Karen espontaneamente.
— Deixe-me explicar… — disse Dr. Klaus mansamente. — Bernadete foi tratada por mim e pelo Dr. Frans por muitos anos e tinha épocas que ela sumia por meses. A estávamos tratando há 5 anos e não soubemos mais dela. É muito curioso ela reaparecer com outra psicanalista. Normalmente ela retornava para nós.
— Então o senhor não a recomendou para outro psiquiatra?
— Claro que não. Bernadete tem personalidades singulares. É o sonho de todo psicanalista tratar casos como o dela.
— E além do mais, estávamos escrevendo um artigo sobre suas personalidades. — Comentou o Dr. Frans. Karen ficou preocupada. Pensou que sua paciente teria que retornar para os seus mestres. Uma pena — pensou.
— Eu não sabia. Helen me disse que o Dr. Klaus a recomendou para outro psicanalista.
— Quem é Helen? — perguntou curioso o Dr. Frans.
— Helen é a personalidade que marca as consultas — explicou Karen.
— Que coisa estranha… — comentou Dr. Klaus. — Helen nunca fora apresentada a nós. No nosso caso Bernadete aparecia nas sessões espontaneamente sem marcar consulta. Chegou a aparecer no meio de sessões de outros pacientes. Era muito indisciplinada.
— Comigo isso não ocorre. Helen, que não conheci ainda pessoalmente, liga marcando as consultas.
— Bem, vamos ao que a trouxe aqui, pois nosso tempo é curto. Aceita um café? — Ofereceu Dr. Klaus.
— Sim, aceito. Com adoçante. Três gotinhas.
Depois que Frans serviu café para todos, continuaram a conversa.
— Na verdade, doutores, o caso de Bernadete me surpreende a cada semana. A estou tratando faz 5 semanas e já conheci 7 personalidades de Bernadete. Inclusive uma delas enxergava, o que me causou espanto. As outras personalidades eram cegas ou apenas fingiam.
— Admirável a Dra. conhecer tantas personalidades de Bernadete em tão pouco tempo. Aqui no instituto demoramos anos para descobrir as personalidades. Para nós, ela revelou mais de 10 comportamentos diferentes — comentou Dr. Klaus.
— Puxa vida. Mais de 10? — admirou-se Karen.
— Sim. E essa personalidade que enxerga, caso nada tenha mudado, é o Peter, correto? — falou Dr. Frans.
— Exatamente. Ele mesmo. Ou ela, não sei.
— Na verdade, Bernadete sofre de Transtorno Dissociativo de identidade, ou, personalidades. As personalidades são bem independentes, tendo comportamentos opostos, em algumas situações. Uma pode ser promíscua e outra completamente recatada. Existe o bloqueio de memória em alguns casos, onde uma personalidade não conhece a outra. Pode existir amor e ódio entre as personalidades. Até o sexo pode ser diferente, a idade e a raça — explicou Dr. Frans didaticamente.
— Muito interessante. É isso que observei e queria falar especificamente sobre a cegueira de Bernadete. Como ocorreu? Vocês fizeram exames clínicos para comprovarem a cegueira? O que mais poderiam me dizer que ajudasse a tratá-la?
— O primeiro diagnóstico que fizemos concluiu que Bernadete tinha cegueira “psicológica”. Comumente chamada de “perturbação psicógena” da visão. Deve se lembrar quando estudou, que Freud descreveu isso em 1910. Mas não é algo tão raro assim — explicou Dr. Frans.
— O que nunca presenciamos foi uma pessoa que podia ser cega e enxergar ao mesmo tempo. Ficamos espantados quando Bernadete nos apresentou a personalidade de Peter, que tudo via — relatou Dr. Klaus.
— O que mais ficamos admirados foi saber que Bernadete conseguia controlar o fluxo de informação visual, deixando que Peter enxergasse e que as outras personalidades, inclusive ela, nada vissem — explicou Frans. — O fato de Bernadete ter recuperado a visão repentinamente é muito instigante.
— Uma certeza nós temos, minha cara Dra. Karen, o cérebro é ainda um grande desconhecido.
— É o mesmo sentimento que tive. Fiquei em dúvida sobre a veracidade das outras personalidades serem cegas, mas agora tudo ficou claro — falou Karen encantada com as novas informações.
— Dra. Karen, seria importante que Bernadete voltasse a se tratar aqui no instituto. Temos longos anos de estudo e seria importante que concluíssemos o que começamos — falou Dr. Klaus com jeito, mas firme. Karen se sentiu desconfortável.
— Entendo, senhores. Mas não fui eu que a procurei. Bernadete apareceu espontaneamente em meu consultório. O que deve prevalecer é a vontade dela.
— Tem toda razão Dra. Karen. Mas você poderia sugerir que ela retornasse para o instituto — tentou persuadir Dr. Frans.
— Falarei com ela. Só não garanto que terei sucesso. Ainda estou conhecendo-a. E enquanto isso não acontece, poderíamos trocar informações profissionais sobre a paciente, o que acha? — sugeriu Karen.
— Mas é isso que estamos fazendo, não é mesmo? — disse Dr. Klaus com um sorriso misterioso.
— Sim, tem razão — Karen aproveitou a deixa para tomar um gole do seu café que já estava esfriando. Os outros médicos fizeram o mesmo.
— Então, Dra. Karen, quais são as personalidades que já identificou? — perguntou Dr. Frans.
— Bem, pessoalmente conheci: Mirtes, Sharon, Bernadete, Peter e Camile. Por telefone conheci Helen, que marca todas as consultas. E Camile comentou sobre Madeleine.
— Hum! Muito interessante — comentou Dr. Frans consultando suas anotações. — Como já comentamos, não conhecemos Helen e também nunca ouvi falar de Sharon. Parece que nossa Bernadete sempre tem uma personalidade escondida.
— E para vocês? Quais personalidades conheceram? — questionou Karen querendo a sua parte em troca.
— Bem, são mais de 10. Mas passarei apenas as mais frequentes. Algumas delas só apareceram uma vez — Dr. Klaus pegou suas anotações e passou a listá-las. — A primeira foi a Bernadete, depois Wendy, Melissa, Mirtes, Camile, Peter, Madeleine, Janine, Louise e Tessa. Mas tem pelo menos mais 3 que não foram frequentes. E cada uma com um estilo de se vestir, idade, conhecimento.
— Fascinante! Dessa lista ainda não conheci Wendy, Melissa, Janine, Louise e Tessa. Estou ansiosa para saber como são — comentou Karen animada.
— Não se anime! — disse Dr. Frans jogando um balde de água fria sobre Karen. — Pode ser que essas personalidades nunca se manifestem e que novas surjam. A capacidade do cérebro de criar novas personalidades é infinita.
— Eu sei. Desculpe meu entusiasmo.
— Bem, nosso tempo acabou. Precisamos nos preparar para uma palestra — falou Dr. Klaus já levantando e esticando a mão para se despedir de Karen. O mesmo fez o Dr. Frans.
— Eu já vou indo. Desculpe tomar o tempo de vocês. E muito obrigado por essa troca de informações — agradeceu Karen.
— Foi um prazer, Dra. Karen. Mas quero lembrá-la que o melhor para a paciente seria que ela continuasse o tratamento conosco.
— Entendi Dr. Klaus. Falarei com Bernadete. Farei todo o possível para convencê-la.
— Agradeceremos muito se conseguir trazê-la de volta — completou Dr. Frans.
— Até logo, senhores.
Karen saiu dali numa mistura de êxtase e preocupação. Se Bernadete voltasse para o Instituto, seu artigo numa revista científica iria por água abaixo. Era uma importante decisão que teria que tomar. Um passeio pelos lagos, no final de semana, poderia ajudar a decidir o que fazer. Por hora estava satisfeita.
* * *
Um dilema moral e ético tomou conta de Karen. As palavras do Dr. Klaus não saíam de sua cabeça. Deveria convencer Bernadete a voltar a fazer terapia com o Dr. Klaus? Abandonar os estudos após tantos anos de espera seria uma atitude sensata? Eram muitas dúvidas. Ao invés de ir aos lagos, marcou com o pai e a namorada dele de tomarem uma cerveja. Eles tinham realmente uma regra de só saírem os dois, pai e filha, mas era uma emergência. O pai já combinara de sair com a namorada. Nesse caso Karen aceitaria a companhia da futura madrasta ou então teria que esperar até o próximo final de semana. Ceder não iria matá-la.
O Sr. Adam marcou com Karen em Augustiner Bräu, famosa cervejaria, milenar e inigualável. Karen gostava das cervejas e da comida, mas achava o ambiente cheio demais para uma conversa séria. Como seu pai já marcara com a namorada de jantarem lá, aceitou o local.
A ansiedade de Karen era tanta que chegou meia hora adiantada. Pediu a melhor cerveja que eles produziam e um petisco. Enquanto esperava pelo pai, organizou as questões que precisava de uma opinião sincera. E em termos de sinceridade, seu pai era muito. Até demais. Após tomar uma cerveja inteira sozinha e o relógio dizer à Karen que seu pai estava atrasado, ele finalmente chegou. Agarrada ao seu braço estava a namorada. Karen tinha certeza que foi ela que atrasou seu pai para o encontro, mas isso não era relevante agora.
— Oi pai. Que saudades… Pensei que não viesse.
— Olá minha filha querida — beijou-a no rosto e deu um longo abraço. — Esta é a Evelyn — apresentou a namorada.
— Prazer em conhecê-la Karen. Seu pai fala muito de você.
— O prazer é todo meu, Evelyn.
As duas trocaram abraços rápidos e beijos sem tocar a face da outra.
— Desculpe o atraso. O trânsito estava terrível — falou Adam.
— Fica tranquilo pai.
Adam chamou o garçom e pediu uma rodada de cerveja para todos. Escolheram joelho de porco para o prato principal, especialidade da casa e conversaram entre um petisco e outro. Karen explicou todo o dilema que passava em sua cabeça e que precisava da opinião de seu pai. Adam fez algumas piadas, tomou um grande gole de cerveja e depois deu sua opinião.
— Numa escala de 0 a 10, o quanto é importante tratar essa mulher e suas personalidades? — disparou Adam.
— Mil, eu acho.
Os dois riram. Adam sabia que essa seria a resposta de sua filha. Quando ela o chamava para uma conversa era apenas para um motivo: concordar com ela. A decisão já estava tomada. Sempre foi assim. Karen, leonina, é apaixonada pelo trabalho e nada muda sua opinião depois que toma uma decisão.
— Olhando pelo lado do Dr. Klaus e Frans, quais as vantagens se você convencer Bernadete a voltar a se tratar com eles? E se ela não aceitar, em que você poderia ser prejudicada? — Com essas perguntas, Adam teria tempo de tomar sua cerveja e comer o seu joelho de porco. Sabia que Karen demoraria na resposta.
— Pai, se eu convencer Bernadete a voltar a fazer os tratamentos no instituto, eles me darão um “muito obrigado” e logo se esquecerão de mim. Nunca mais terei contato com eles. Tenho certeza disso.
Adam a olhou com surpresa e fez sinal com as mãos para continuar. Estava deveras ocupado com o joelho. Evelyn tomava um gole de cerveja e olhava o movimento. Evitava comer carne de porco à noite. Isso a deixava com gases.
— Caso Bernadete não volte a fazer o tratamento com eles e, caso descubram, que ainda a trato, poderão espalhar no meio médico que sou antiética, egoísta e sabe-se lá mais o quê.
— E se você pedir para Bernadete voltar para eles, mas não insistir?
— Tipo, pedir, mas querendo que não vá?
— Mais ou menos isso — Adam deu mais um gole em sua caneca e pediu mais cerveja. — Primeiro eu acho que deve sondar Bernadete e suas irmãs sobre o motivo de terem abandonado o tratamento com eles. Depois pergunte se prefere eles a você.
— E se elas preferirem? — instigou Karen, e aí foi ela que tomou o gole da cerveja.
— Não vão preferir.
— Mas e se preferirem? — Mais um gole.
— Conheço você melhor que você mesma. Elas não vão te abandonar. Sei que achará uma maneira de convencê-las a ficar com você. Durante as próximas semanas, você mantém a comunicação com o Dr. Klaus e Frans por email ou WhatsApp. Começa com aquela história do gato subiu no telhado. É infalível. — Karen gostou da ideia.
— E você Evelyn… O que tem a dizer? — instigou Adam.
— Preciso ir ao banheiro. Vocês se importam? — Foi umas das poucas frases que Evelyn se atreveu a pronunciar. Para Karen estava perfeito. Adam também não se importou.
Quando Evelyn retornou do banheiro Adam e Karen estavam prontos para irem embora. A conta já estava paga e logo saíram. Evelyn já estava zonza de tanta cerveja e nem questionou o motivo de irem embora tão cedo. Para Karen já era o suficiente. Adam ainda levaria Evelyn para casa e, se possível, namoraria um pouco.
Karen teve uma noite tranquila. Já sabia como deveria agir. Agora era esperar pela próxima consulta.
* * *
As sessões que se seguiram foram com Sharon, depois Mirtes, Camile e Peter. Nenhuma personalidade nova aparecera. Karen falava do Dr. Klaus para elas e todas diziam não saber de quem se tratava. Sugeriu fazer o tratamento com Klaus e Frans e todas, inclusive Peter, se recusaram. Todos diziam fazerem o que Helen mandava e Helen não estava disposta a admitir conhecer o Dr. Klaus.
Nesse meio tempo Karen fez exatamente como o seu pai sugerira. Enviava ao final de cada sessão um WhatsApp para os seus mestres dizendo que tinha insistido com elas sobre o tratamento voltar a ser no instituto e que as mesmas se recusavam, dizendo não os conhecer. A orientação era para continuar insistindo que uma hora uma das personalidades se lembraria e aceitaria o retorno.
Os meses foram passando. Nada de uma nova personalidade aparecer, até que em fevereiro do ano seguinte, uma nova personalidade surgiu.
Quarta - 13 de fevereiro, 9:15h da manhã.
— Me chamo Wendy. Prazer em conhecê-la Dra. Karen.
— O prazer é todo meu. Venha aqui que vou ajudá-la a reconhecer o local.
Karen conduziu Wendy pelo ambiente mostrando onde estava cada objeto. Nos meses que antecederam essa sessão, Karen modificou os móveis de lugar. Deixou de forma a facilitar a movimentação das irmãs de Helen pela sala de consulta.
— Como posso ajudá-la Wendy? Qual o motivo que a trouxe aqui?
— Dra. Karen, tenho vergonha de dizer, me sinto muito sozinha. Não tenho ânimo para nada. A minha irmã insiste em dizer que tenho que ter a minha independência e cultuar novas amizades. Mas como fazer isso sendo cega? É difícil para mim.
— E qual é o nome dessa sua irmã? — perguntou Karen já sabendo que a resposta seria Helen.
— Janine!
— Certo, Hel… Como disse? Ja…?
— Janine. Minha irmã mais velha.
— Puxa vida. Essa é nova para mim. Preciso anotar — falou Karen sem se preocupar que Wendy a estivesse ouvindo.
— Dra. Karen, claro que Janine é nova para você. Estamos nos conhecendo hoje. A não ser que conheça minha irmã por outros meios…
— Não, não conheço. Me desculpe. Acredito que me empolguei — falou Karen nervosamente.
— Sem problema Dra.
— E Janine é cega como você? — perguntou Karen curiosa.
— Eu não sei. Não vi — riu alto. — Mas acredito que enxergue, pois, sempre está agitada, com pressa. Aparece de uma hora para outra e some da mesma forma. Às vezes, aparece na minha cama quando estou dormindo. Assusto com suas visitas inesperadas. Ela parece um fantasma.
Karen compreendeu ser mais uma personalidade que aparecia de repente. Mas anotaria também, pois ela nunca mais poderia dar as caras.
— Como eu dizia, Happiness is a warm gun. That’s what the Beatles used to say in th ‘60s. But i believe that a lot.
— Como disse? — perguntou Karen no piloto automático, sem entender o que Wendy tinha dito. — Pode repetir?
— Happiness is a warm gun. That’s what the Beatles used to say in th ‘60s. But i believe that a lot.
— Você fala inglês? — conte-me mais sobre isso.
— Puxa vida, Dra. Karen. Foi automático. Às vezes penso que estou em Londres.
— Você conhece Londres?
— Morei lá durante a minha infância. Fora quase 10 anos. Aprendi o inglês.
— Wendy, isso é fantástico! — exclamou Karen.
— Como assim? Saber falar inglês? Penso que a Dra. está pirando…
— Tem razão, Wendy. Todos deveriam saber falar uma segunda língua.
Um silêncio se fez na sala enquanto Karen anotava em seu tablet mais uma característica das múltiplas personalidades de Helen. A cada dia que passava mais e mais fatos apareciam sobre essa figura tão importante que era Bernadete. E Karen, com seu dilema moral, teve que
fazer a pergunta.
— Wendy, preciso lhe fazer uma pergunta…
— É não é o que já faz o tempo todo? Pode continuar.
— OK, desculpe. Você conhece o Dr. Klaus?
— Nunca ouvi falar.
— E o Dr. Frans?
— Menos ainda.
— Ótimo! Ótimo! — vibrou Karen.
— I did not understand. What did you say?
— Não foi nada. Fica tranquila — riu Karen.
Depois da sessão seguiram as condutas de sempre. Karen insistiu para Wendy ficar, mas ela foi embora com seu cão guia mesmo assim. Karen anotou mais alguns dados e concluiu o dia. Mais uma etapa vencida. Sentia-se mais segura e tinha certeza de que nenhum médico, sendo ele professor universitário ou não, tomaria sua paciente mais importante. Dormiu o sonho dos justos. Estava pronta para o futuro, pertencendo ou não a ela.
Continua...
NOSSOS COLUNISTAS
Luiz Primati e Alessandra Valle.
Alessandra, o conto está muito bom! A inveja faz parte… infelizmente, mas é a partir destas zonas mais sombrias que nascem as bonitas luzes! gostei muito do conto! Parabéns!
Luiz, cada vez melhorrrrr hihihiiiiii
Alessandra Valle - É, realmente a inveja é um sentimento podre, mas como muitos outros escondidos na alma humana. Bom conto, goteiii bastante, e tenho gostado bastante da forma como encadeias as situações.
Luiz Primati - o que é :"Começa com aquela história do gato subiu no telhado"? A saga continua, estou ansioso para ver onde vai dar isto, e porque nenhuma personalidade conhece o médico que as tratou anteriormente.
Alessandra: Triste, a Inveja é um sentimento que destrói! Luiz: Bernadete quer dar um nó na cabeça da Dra. Karen e na minha também! kkkkkkk Joelho de Porco é bom demais! Curioso para ler o próximo capítulo. Parabéns, Alessandra e Luiz!