BRUNO PEREIRA
BRUNO PEREIRA, 38 anos, técnico superior no Município de Mondim de Basto com funções mais ligadas à cultura. Editou o primeiro livro, “Fragmentos,” em 2006. Não se ficou por esse género e escreveu, também, prosa, literatura fantástica e terror. O último livro, “C.I.N.C.O,” foi editado em 2020 misturando prosa e poesia. Muito ativo a nível cultural coordenou um grupo de teatro juvenil, o Tâmegar, durante dez anos e, apaixonado por futebol, acabou o curso de treinador em maio de 2022.
Instagram: @brunomvpereira
1
Espero que estas palavras cheguem até ti.
Nesta luta contra o tempo
Pelo tempo que perdi.
A vertigem das coisas nunca nos caiu bem
Foi-se criando um falso delírio
Subitamente amarrado e feito refém.
[afinal não era para sempre]
Fiquei preso num vício que tem o teu nome
Agora moro na rua porque a minha casa eras tu
Alimentei, inconscientemente, esta dor que me consome
Não há paz dentro de mim
Despertei na cama vazia
E só nesse instante percebi que era o fim.
[afinal não era para sempre]
Agora procuro por ti em corpos que não são o teu.
Faço dos meus dias uma busca incessante
Tentando recuperar algo que já foi meu.
[algo que foi nosso]
Passo a passo
Vou descalço pela escuridão.
Envolto neste embaraço
Nesta dor que nunca pensei sentir.
Por não te ter mais aqui.
2
O meu corpo pede por uma paz
que só encontra contigo
Longe mostra-se incapaz
como se a tua ausência fosse castigo.
O meu corpo está viciado
em moldar-se com o teu
e sem aviso, este corpo apaixonado
deixa de ser meu.
O meu corpo deixou de ser apenas um
precisa de mais
de outro corpo em comum
de um amor que jamais
pensou encontrar...
Não sou dono do meu corpo
ele tem a sua própria vontade
e procura, de forma incansável, o conforto
de uma felicidade
que apenas tu consegues proporcionar
3
Hoje é mais um dia em que saio de mim.
Em que incorporo outra pessoa sem tempo nem fim
Hoje esqueço-me quem sou e todas as dores que carrego.
Ou faço delas escravas e uso-as a meu bel-prazer.
Não quero que recordem o nome que levo
Desejo que cada lágrima seja uma navalha, que faça doer.
Esta noite o palco é meu e não quero cá mais ninguém.
Nem a mim.
Só a personagem, aquela da qual me tornei refém
Que torno real, que sangra tanto da pele como da alma.
Espero que se faça silêncio do inicio ao fim.
Em mim e em vós, que o nosso interior seja invadido pela calma.
Que nas paredes deste teatro apenas ecoe a voz que eu, esta noite, represento.
De quem eu sou hoje por mais que doe
Por mais que queira esconder cá dentro.
Desde que se abra a cortina
Que a mudez das vossas gargantas e de todas as pessoas que escondo em mim para que a pessoa que hoje finjo ser sejam interrompidas apenas na hora de aplaudir
E que esses aplausos, sim, continuem depois de terminar em revolta desatina
Que ainda serei aquilo que fui durante oitenta e três minutos em frente a vós
Se saio de mim não é apenas por um período tão pequeno de tempo, se saio de mim é difícil voltar.
Não me permite o corpo nem a voz.
Até amanhã de manhã talvez ainda responda ao nome pelo que respondo hoje em um outro mundo
Preso neste vício e nesta fome
De ser outra pessoa nem que seja apenas por um segundo.
4
Dentro de mim
Espreita algo que nunca lhe soube o nome
Que cheira às flores mais bonitas do jardim
Tenho que me aproximar com cuidado
Senão vai esconder-se ou, então, some
Poderá sentir-se desnorteado
Por vezes, muitas até, não sabe o próximo passo
Talvez seja medo
Talvez embaraço
E, por enquanto, o seu nome é segredo
Ou assim o pensa, porque afinal
Se tem nome, chama-se amor, e no final
Não dá para esconder.
5
Corpos de plástico
De todas as formas e feitios
Corpos de elástico
Envaidece, esmorece, dá a volta e aborrece.
Corpos vazios
Cheios de coisa nenhuma.
Corpos macios
Banhados em ferrugem.
Corpos sem alma
Sem paz nem calma.
Apenas corpos.
Sem mais nada.