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Cristo Redentor

IV COPA DE POESIA
BRASIL, OUTUBRO 2022

DIAS 9, 16, 23 DE OUTUBRO E 06/NOV
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Aline Silva

ALINE SILVA

ALINE SILVA.jpg

Aline Silva Nobre é do Sertão do Ceará. É autora do livro "Mulher-Contestada" (Urutau, 2021) e das Zines “Estrela”, “Animalia” e “Poemas para depois do fim”. É co-fundadora do Coletivo Transfabuladores e, depois de publicar textos em antologias, blogs e jornais, tem se aventurado nas colagens manuais e digitais, uma forma além-palavra de se expressar. Em outubro deste ano irá lançar o livro "não existem Borboletas na antártica", que faz parte da coleção Budega SertãoPunk, da editora Caju de Ouro.

 

Instagram: @alinesnobre @escrevaline

1 - sobre um trem e um passarinho

um dia eu quis ser trem

no trilho

rápida

na linha

pontual

eu até fui trem por um tempo curto

quando eu não sabia que eu podia fazer o meu próprio caminho

 

eu fui trem

 

segui as regras

cheguei na hora

andei na linha

 

eu só não fui mais trem

porque eu não sabia gritar

o meu piuí era tão baixo

que só eu podia escutar

 

mas depois de saí dos trilhos

vagarosa

fora de linha

fora de hora

eu aprendi o grito do trem

e embora eu não mais o fosse

eu já gritava tanto quanto ele

nas estações todas

 

inverno

verão

outono

ou primavera

 

eu gritei tanto em cada plataforma

que já não haviam mais vagões dentro de mim

 

nem vagões

nem vagas

e nem vazios nenhum

 

agora

eu sou passarinho

sem rota

nem rumo

nem destino

e nem trilho

 

só um passarinho

voando

lado a lado

das locomotivas.

Poesia1

2 - sabores

eu gosto de gente

que gosta de gente

que gosta de abraço

e que gosta de mim

 

eu gosto do som

que o silêncio em mim faz

que ecoa em mais ais

e parece sem fim

 

eu gosto da risada da Amanda

do olhar da Vitória

e do humor do João

 

eu gosto da saudade que aperta

quando sabe que é certa

o retorno, a união

 

eu gosto do cheirinho da chuva

que alegra a viúva

quando cai no sertão

 

eu gosto é de abraço apertado

de beijo demorado

e do entrelaço entre mãos

 

eu gosto da demora de agosto

das águas de março

e do janeiro apressado

 

eu gosto de quem tem afeição

e quem não abre mão

de um amor demonstrado

 

é gosto é de poema falado

de canção entoada

mesmo se a voz falhar

 

eu gosto de escrever o que sinto

pois no verso eu não minto

nem se estória eu contar

 

eu gosto da beleza da vida

com seu gosto agridoce

na minha língua a travar

 

eu gosto é desse gosto incerto

e se existe algo certo

é que a vida é muito

mais muito gostosa

de se gostar.

Poesia2

3 - quimera

todos os dias vejo coisas belas e mágicas que os treze megapixels da câmera do meu celular não conseguem captar

 

vejo pequenas mariposas no banheiro de manhã

cada uma com sua composição única de formas e cores

e eu tento guardar na minha própria memória interna

que quase sempre teima em me sabotar

 

eu vejo no entardecer o arrebol alaranjado

e sinto a sensação de ser parte

ser arte

quando um raio de sol de repente decide me tocar

me convidando a ser entardecer também

e eu tento guardar essa sensação com muito afinco

mas no dia seguinte eu já me perco naquilo que senti

 

são muitas as coisas que uma câmera de treze megapixels não consegue captar

mas tem uma em especial

- o brilho dos teus olhos -

que eu queria muito e sempre e tanto encontrar uma maneira de guardar

 

porque minha memória tem sido falha

e a única coisa que ela consegue armazenar

é a sensação de euforia e prazer

quando estou bem debaixo

do brilho

- multicolorido -

desse teu olhar

Poesia3

4 - quarto

 

o quarto ganhou uma quarta ou quinta nova dimensão

 

estudo, trabalho, namoro, relaxo

como, durmo, choro e canto

tudo no mesmo canto

entre quatro paredes amarelas

entre uma janela com grades e uma porta trancada

eu vivo

 

vivo?

 

o quarto ganhou uma quarta ou quinta nova dimensão

 

aqui eu voltei a escrever poemas à mão

aqui eu agora armo uma rede pra ler

aqui eu reflito se quero morrer

reflito se a morte ou a vida me bastam

eu morro

 

ou preciso viver?

 

o quarto ganhou uma quarta ou quinta nova dimensão

 

eu trouxe três plantas

para não ser sozinha

eu comprei mais livros

para não ser sozinha

eu voltei a tocar violão

para não ser sozinha

 

ou foi para

ser sozinha?

 

o quarto ganhou uma quarta ou quinta nova dimensão

 

o ar que respiro

é o que sai da minha boca

a boca que eu beijo

é somente a minha

 

o quarto ganhou uma quarta ou quinta nova dimensão

para que eu continuasse cabendo

quando estou em plena expansão

 

ou explosão?

 

não sei das respostas

só sei que

o quarto ganhou uma quarta ou quinta nova dimensão

 

dá pra sentir até

no espelho

que agora - amigo -

me fita

e

na elasticidade

deste novo do chão

que

 

o quarto ganhou uma quarta ou quinta nova dimensão

Poesia4

5 - quando estou com a mulher que amo

quando estou com a mulher que amo

atravesso ruas como imigrantes clandestinos atravessam fronteiras

vou à exposições de museus como quem planeja roubar um portinari legítimo

e estar prestes a ser descoberto

frequento bares e me sinto como um contrabandista

com mil olhos de desconfiança ao meu redor

eu a beijo em público e me sinto como quem pela primeira vez no mundo fez topless na avenida

e a polícia está prestes a chegar

 

quando estou com a mulher que amo

tudo me parece estranhamente bom e perigoso

 

porque estou com a mulher que amo

e porque sou mulher também.

Poesia5
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