MARCELLO SILVA
Marcelo Santos da Silva é autor dos livros: "Na Garganta um Sertão Enjaulado (3°lugar Prêmio Biblioteca Pública do Paraná 2021); Homo Cactus (2018); O Pescador (2015). Participações em dezenas de coletâneas pelo Brasil. Membro do clube de leitura Café do Cazuza; Coletivo Ágora Chaval; O Piagui; Piauí Poético etc.
Instagram: @marcello_s_silva
1 - TAPERA
No alto do morro hoje reside uma saudade
São lembranças nos cacos de telhas
A poeira nas fotografias pedaços do que já foi
No entulho há um grito sangrando
Que acalma as madrugadas
Ainda se ouve as preces e o choro baixinho de Birica
A bengala posta na parede
A espera do passeio pelo quintal
O baú que guarda as fotografias amareladas
E o tempo gravado nas pedras...
O banco e o pote recolhidos
Aguardando as chuvas de março.
E tudo é solidão.
Há um pouco de Birica em cada centímetro de chão
Como se sua voz fosse o vento repentino, acariciando as manhãs
E seus passos fossem as folhas secas dos embus que valseiam pela tapera
Entre as reminiscências.
2 - VULCÃO
Há um poderoso silêncio neste teu olhar de fêmea
Que transgride
Que provoca
Que acalma.
Teus lábios rubros de Alerquina
A boca entreaberta;
O meio sorriso;
E meus instintos aguçam em tua busca
Te procuro, te devoro, te desejo...
Em devaneios me perco entre teus caracóis
Mordo-te os lábios até sangrá-los
Percorro cada beco do seu corpo com minhas mãos trêmulas
Te sussurro ao ouvido mil palavras impublicáveis.
E nosso gemido em gozo é um meteorito que explode a via lactea.
3 - ALEGORIA
Sou homem das cavernas
Temendo às sombras
Que o fogo projeta
Autorretrato
De um doido se reinventando
Noite de vidro (embaçado)
Que ateia medo e transfigura lágrima
4 - MIRAGEM
Por pensar em ti o mundo foge
As horas voam no tempo entre lágrimas e poeiras
Tudo é vendaval onde a ventania aflora o amor
Não conheço o mundo que habito
Ou se de fato existo neste instante
Intervalo de tempo entre o sono e o tédio.
Vejo tua face cravada na pele
Adaga afiada de dois gumes
Fazendo pulsar teu sangue
Miragem dos sete desertos
O silêncio repousa na tranquilidade de teus olhos
E a tentação na tua boca entreaberta e molhada.
5 - POEIRA
Sou um túmulo onde adormecem todas as caravelas naufragadas
No peito, trago gravado a ferro quente, uma cruz de malta
Há fantasmas do que fui, espalhados pelos meus becos.
Fracassei.
Fracassei como fracassam os covardes
De espada em punho
Com cicuta em taça.
E pela culatra um tiro seco
Me reduz a poeira de Quéops.